sábado, 1 de novembro de 2014

Arbitragem de Proteção de Investimentos - Conceito de investimento e formas de prestação de consentimento



Com a globalização da economia, do mercado, com a maior necessidade de exportação de capitais por parte de determinados países como Portugal, e enquanto assistimos a uma verdadeira debandada além-fronteiras por parte dos que pretendem expandir as suas áreas de atuação para países que não aqueles de que são nacionais – refiram-se aqui quer pessoas singulares, quer pessoas coletivas – ganha especial relevo atender e perceber até que ponto a arbitragem de proteção de investimentos pode ser uma salvaguarda para os investidores. Tal meio de resolução de litígios assume vital importância com o aumento de aparecimento de litígios derivado das crises económicas e políticas instaladas a nível global, pelo que é importante que os investidores tenham conhecimento de que poderão ter acesso a um mecanismo que lhes permita ver a sua pretensão apreciada, não pelos tribunais estaduais do Estado onde investiram, mas sim por um centro autónomo de resolução de diferendos, como infra será analisado.

De facto, é posição certa e assumida que os investidores, quando internacionalizam os seus negócios, suspeitam, por via de regra, da imparcialidade assumida pelo sistema judicial dos países para onde direcionam a sua expansão, crença essa nomeadamente resultante da forte influência que o poder político pode ter sob o poder judicial, o que não é aceitável, mas de facto tende a suceder. Surge então a necessidade da existência de um meio de resolução de eventuais litígios, que se configurem entre quem investe e o Estado onde se está a investir, em que o investidor poderá assegurar-se que o mérito da causa resultante desse mesmo litígio seja analisada por órgãos imparciais, com poder decisório, ao mesmo tempo que o Estado em que se está a investir atrai o investimento estrangeiro, através da adoção de políticas de incentivo e proteção conferidas aos nacionais de outros Estados.

Assim, em 1965, com a Convenção de Washington, instituiu-se o “ICSID – International Centre for Settlement of Investment Disputes”, um centro de arbitragem que funciona com ligação direta ao Banco Mundial, e que visa responder às necessidades supra mencionadas, nunca descurando da vontade de promoção da globalização económica e da internacionalização dos mercados. Tal centro visa a resolução de litígios existentes entre investidores internacionais e os Estados em que estes investiram, com recurso a uma arbitragem internacional - por decorrer de uma relação jurídica plurilocalizada – diga-se, relação juridical em contacto com mais do que um ordenamento jurídico -, dirigida por árbitros também eles internacionais, que garantem uma resolução imparcial, célere e especializada acerca do litígio existente.

Não define a Convenção de Washington, no seu artigo 25.º, o conceito de investimento, para efeitos de submissão da resolução do litígio ao centro que a mesma criou. Com recurso à doutrina, conjugada com a jurisprudência arbitral, de entre os elementos principais da noção de investimento serão de referir: (i) a necessidade de movimentação monetária ou de bens por parte do investidor, (II) da qual seja de supor a possibilidade de existência de lucros para o mesmo, (iii) com determinada duração temporal, (iv) desde que o investidor assuma os riscos do investimento em si mesmo, (v) que invista de boa-fé e, por fim, (vi) tem que o investimento contribuir para o desenvolvimento a nível económico e de mercado do Estado em cujo território se está a investir. Ora, tais “pressupostos”, desde que cumulativamente preenchidos, abrangem uma grande variedade de situações, pelo que é alargado o âmbito da aplicação de proteção de investimentos com recurso ao centro de arbitragem ICSID.

Analisado o conceito de investimento, cumpre verificar quais os requisitos formais que têm que se encontrar preenchidos, para que seja possível recorrer-se à arbitragem internacional de proteção de investimentos – ICSID. De novo analisando o artigo 25.º da Convenção de Washington, em primeiro lugar existe a necessidade de que ambos os Estados intervenientes no litígio – diga-se o Estado em que se investe, e o Estado de que é nacional o investidor – sejam Estados Contratantes da Convenção de Washington [1]. Cumulativamente, é necessário um prévio consentimento entre ambas as partes – entenda-se por partes o investidor e o Estado no qual se está a investir. No que ao consentimento dado por parte do Estado Contratante no qual se está a investir diz respeito, com o intuito de que um eventual litígio possa ser resolvido com recurso ao centro de arbitragem do ICSID, este pode assumir diversas modalidades: ou se encontra prevista tal possibilidade no contrato de investimento celebrado entre o Estado e o investidor, caso este exista, ou na legislação própria do Estado relativamente à regulamentação de investimento estrangeiro ou, por fim, com recurso a convenções multilaterais ou tratados bilaterais que se reportem à proteção de investimentos – estes últimos o mecanismo mais usual de “ativar” a cláusula de arbitragem do ICSID. Debrucemo-nos pois sobre os tratados bilaterais de proteção de investimento, enquanto forma de prestação de consentimento, por parte de dois Estados, relativamente à submissão de eventuais litígios relacionados com investimento internacional, que possam surgir entre qualquer um deles e um investidor nacional do outro Estado parte no Tratado, à arbitragem regulada pelo ICSID. Estes denominam-se por “Bilateral Investment Treaties” (BIT’s), e assumem especial relevância nos dias de hoje, já que são uma cláusula de salvaguarda para os investidores nacionais de certo Estado que pretendam direcionar a sua atividade para um outro Estado, que com o seu de origem tenha celebrado o mencionado BIT. Importa pois a um investidor analisar sempre se, entre o Estado de que é nacional, e o Estado em que pretende investir, foi celebrado algum BIT segundo o ICSID [2]. Tal irá garantir-lhe que, caso o Estado seja parte contratante na Convenção de Washington, ficará ao seu critério - do investidor – a opção de recorrer ou não ao centro de arbitragem ICSID para a resolução do litígio. No entanto, não basta apenas saber que os BIT’s existem, é necessário ter conhecimento acerca do seu conteúdo, se já se encontram em vigor, e que tipo de cláusulas abarcam no seu texto, de modo a percecionar se o litígio em causa, por derivar de um qualquer incumprimento por parte do Estado contratante onde o nacional do outro Estado investiu – situações de incumprimento como expropriações e nacionalizações realizadas por um valor não equitativo, favorecimento, por parte do Estado onde se investiu, em relação às empresas nacionais, em prejuízo das empresas internacionais com atividade no seu território, entre outros - é suscetível de configurar a constituição de um tribunal arbitral internacional segundo as regras do ICSID. A análise do conteúdodos BIT’s permite afirmar que, em regra, cláusulas como as “national treatment clauses” - tratamento semelhante, por parte do Estado cujo território é o local onde se investiu, entre os seus nacionais e investidores internacionais -, “arbitrary and unreasonable measures clauses” - proteção do investimento do nacional de outro Estado contra medidas arbitrárias e não razoáveis que o possam prejudicar injustificadamente -, “fair and equitable treatment clauses” - é dado aos investidores um tratamento justo - e as “legality of expropriations clauses” - garantem que qualquer expropriação realizada pelo Estado onde se investiu, em relação ao investidor estrangeiro, se encontre dentro dos trâmites da lei, e que origine o pagamento de um quantum indemnizatório justo e equitativo - são em regra adotadas pelos Estados. Cumprirá por fim realçar a existência de um tipo de cláusula neste Tratatos Bilaterais de caráter mais geral e abstrato, as conhecidas como “Umbrella Clauses”. Distinguem-se das previamente referidas, na medida em que o objetivo destas últimas é abarcar o máximo de situações possíveis que possam derivar de uma qualquer situação relacionada com investimento internacional, no que diz respeito a ambos os Estados a que o BIT se refere, para que a causa possa ser submetida à apreciação do centro de arbitragem. Deste modo, cláusulas que abarquem uma multiplicidade de direitos e obrigações não previstas de modo taxativo nos BIT’s são uma válvula de escape que o investidor terá ao seu dispor para, querendo, delas se socorrer, a fim de submeter a causa em questão ao poder decisório dos árbitros nomeados pelas partes, ou pelo próprio centro – ICSID.

Em termos muito gerais, são estes os traços caraterizadores da submissão de determinada causa relacionada com investimento internacional ao tribunal arbitral criado sob a égide do ICSID, mecanismo que deve ser seriamente levado em conta pelos investidores e pelos próprios Estados, em benefício próprio de cada um, a fim de salvaguardar a imparcialidade e a tão importante celeridade nas decisões que lhes digam respeito – aos investidores –, assim como garantindo uma política externa de investimento mais segura e “confortável” para esses mesmos investidores, por parte dos Estados, que funcionem como um chamamento ao investimento estrangeiro, contribuindo assim para o desenvolvimento próprio de cada um desses Estados, em harmonia com a inevitável e crescente globalização da economia e do mercado.


Novembro, 2014


Por João Nuno Barros


[1] Portugal é um Estado-Contratante na Convenção de Washington desde 4 de Agosto de 1983, e esta ganhou força jurídica em Portugal a 1 de Agosto de 1984.
[2] Portugal tem celebrados BIT’s, de acordo com o ICSID, com a Albânia, Argélia, Angola, Argentina, Bósnia Herzgovina, Brasil, Bulgária, Cabo Verde, Chile, China, Croácia, Cuba, República Checa, Egipto, Gabão, Alemanha, Guiné-Bissau, Hungria, Índia, República da Coreia, Letónia, Líbia, Lituânia, Maurícia, México, Marrocos, Moçambique, Paquistão, Paraguai, Peru, Filipinas, Polónia, Roménia, Rússia, São Tomé e Príncipe, Eslováquia, Eslovénia, Timor-Leste, Tunísia, Turquia, Ucrânia, Uruguai, Venezuela e Zimbabwe.





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